terça-feira, 10 de março de 2015

Como eu te vejo

Lembra daquele dia no bar? Eu me lembro como se fosse ontem. Tomava minha cerveja e fumava meu cigarro, pensava nas páginas e mais páginas que teria que ler quando voltasse pra casa. Os olhos só se dirigiam pra fora pra olhar o garçom e "amigo, vê mais uma gelada". Sei lá como, ou porque, de relance, vi seus cabelos caídos na testa. Não tinha sol, mas eu podia jurar que a luz refletia nos teus fios e iluminava o ambiente inteiro. Esqueci os capítulos, o cigarro, os problemas, e foquei meu olhar no que de mais bonito havia naquele bar sujo em plena quarta-feira. E eu não pude deixar de notar as gotas que escorriam pelo seu rosto.

Não sei se o que mais me marcou nesse dia foi o seu sorriso meio torto dizendo que eu podia pegar a cadeira ou se foi minha súbita determinação de andar até você. Sei que fui. E entre cervejas geladas e sorrisos carregados de mágoas, a gente trocou confidências e telefones. 

Você disse que era para eu ir embora, que você era problema, que um cara legal assim não deveria olhar pra você. "Eu tô ferrada, vê se me esquece". E não sei se foi descrença da minha parte, mas o jeito que você me mostrava seus piores lados me fazia acreditar que você estava exagerando e que era só uma bad vibe que iria passar no dia seguinte. E eu fiquei pra esperar o dia seguinte. E o próximo. E mais um. 

Eu pude acompanhar de perto tudo aquilo que você chamou de ferrada e, garota, eu devo concordar, você tá ferrada mesmo. Tá ferrada porque o mundo é pequeno demais pra você. Estreito demais pro seu talento, pra sua arte, pra sua poesia. E se você se sente sufocada é só porque a sua expansão tá esbarrando nas barreiras do mundo. Mas, deixa eu te contar: toda grade é vazada. Você pode voar, e se não der pra voar, escorre. Se remolda e sai daí. Respira e vai pro mundo. Só o que é rígido não consegue passar.

Hoje faz um ano. Um ano que eu te disse que se a cadeira estava vaga, eu iria sentar. E fiquei pensando em todas as coisas que queria dar pra você. E esquece poesia, chocolate, carta de amor. Se eu pudesse escolher uma coisa, só uma coisa, eu te daria a minha visão. Porque só o que eu queria, garota, é que você se visse como eu te vejo.

segunda-feira, 2 de março de 2015

Entretanto

O plano era ir até a sua casa e falar meia dúzia de palavras sem sentido pra ver se elas traziam algum sentido pra nossa relação. A gente anda meio sem saber pra onde vai, tropeçando nas nossas próprias pernas, caindo em lugares que não queremos estar. Era pra tentar dar alguma forma pra isso que a gente tá tentando viver conforme vai vivendo; que não fosse forma fechada, mas que você soubesse - ou pelo menos diminuíssem as dúvidas - onde eu quero estar.

É que eu nunca entendi a diferença que algumas palavras colocadas em sentenças podiam fazer para nós. E você acha que eu não demonstro, que eu não digo, que eu não quero. E sei que isso mexe na tua insegurança e eu juro que to tentando mudar. Eu ensaiei mesmo as palavras no espelho enquanto passava lápis no meu olho e pensava em você abrindo a porta. E talvez eu tenha ressaltado mais os olhos do que preparado o texto, mas é que eu realmente acredito que meus olhos são melhores oradores do que eu. Ainda assim, eu queria que você soubesse. Eu queria que você ficasse.

A intenção era essa quando tomei minhas doses de tequila e minhas respirações profundas. Eu sei que você odeia quando eu bebo e o jeito que às vezes passo da conta. É que se você soubesse o nervoso que eu sinto quando você está por perto e respira no meu pescoço dirigindo algumas palavras para o meu ouvido, talvez pedisse mais uma dose.

E eu tento acalmar o medo, apaziguar a ansiedade e dizer pra mim mesma que você não é como os outros; e que não vai embora quando eu resolver me abrir. É que eu to cansada de usar "sempre" pra falar de amor e to apostando minhas fichas, mesmo que com prudência, em você ser o "mas, porém, contudo, todavia, no entanto, entretanto".

E no caminho não parava nenhum táxi; eu resolvi ir andando. E a chuva caiu; eu fiquei encharcada. Pensei mil vezes que aquilo tudo tava errado e era um sinal para eu voltar pra casa; que seus textos, músicas e suspiros, por melhores que fossem, deveriam ficar longe de mim. O ideal era você ser só mais um que passa pela vida e deixa um pouquinho de prazer no corpo, mais um que não ligou no dia seguinte, mais um que eu não atendi. Mas... mas você foi mais e eu encarei a chuva, o escuro e o medo.

O plano era ir até a sua casa e falar meia dúzia de palavras sem sentido pra ver se elas traziam algum sentido pra nossa relação. E as palavras escorreram com meu suor, com a água da chuva e se fixaram na escuridão do corredor enquanto eu esperava você pegar as chaves. Eu não sei mais qual era o plano, mas eu entrei.

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