quinta-feira, 14 de abril de 2016

Tecer entre ser

Pedras, Meditação, Equilíbrio, Relaxamento, GartendekoÉ comum escutarmos que na meditação precisamos esvaziar o pensamento até parar de pensar. No entanto, o estado meditativo é, na verdade, um alargamento do tempo entre um pensamento e outro. O que buscamos entrando em contato com a nossa respiração é encontrar o tempo entre.

O que acontece no corpo entre a inspiração e a expiração? O que acontece entre a expansão e o esvaziamento dos pulmões? O que acontece entre os estados?

Estamos acostumados a nos perceber como estados. A perceber o tempo de forma espacializada, pois nossa consciência trabalha com aquilo que vê, com aquilo que damos conta. Manhã, tarde e noite; bebê, criança, jovem, adulto, velho... E assim sucessivamente buscamos as sucessões; buscamos as medidas. O que fazemos é colocar acontecimentos em caixinhas, nomeá-los para, assim, evitarmos a angústia do não-saber.

Voltemos ao corpo, ao inspirar e ao expirar. A busca por um alargamento do entre nos traz um estado de presença. Estar presente é estar atento aos acontecimentos num estado de observação. Parar para re-parar. Ser o observador de si e do mundo; observador das formas e das forças. Entretanto, essa observação é tudo menos passiva e neutra, pois é nos afectos, nas sensações que atravessam o corpo e a presença que podemos observar.

Quanto tempo dura um pensamento? Qual é a passagem de um pensamento ao outro? Como saímos de A para B? Quando? Envoltos em quais sensações? Qual é o tempo do tempo das coisas?

Nos aproximando de nossa esfera corporal e material podemos buscar entrar em um estado de presença consonante com nossos desejos e limites. Espacializando aquilo que precisamos espacializar: nossos limites e nossas fronteiras.

Contornamos o caos dando-lhe uma forma possível (e provisória), uma forma que dura o tempo entre o inspirar e o expirar. Que se cria e re-cria nos movimentos do dentro e do fora; nas dobras da pele.

Buscamos, então, um equilíbrio instável. Um equilíbrio que se faz através dos nossos desequilíbrios, assim como nosso caminhar. Uma alternância entre equilíbrios e desequilíbrios que nos impulsionam ao movimento.

Viver junto é estar atento as sensações, afectos e fronteiras das relações. Buscando não só uma constituição do eu e do outro, mas a ampliação do espaço entre. Do entre corpos. Do entre-dois. Do entre-tempos. Atentando ao que surge nesta esfera, nesse espaço-tempo, aos movimentos deste relacionar-se, desta abertura.

Viver juntos é ser antes de estar.

sexta-feira, 11 de março de 2016

5 cenas de nós

Cena 1 

Terceiro andar de um pequeno prédio de quatro andares. O elevador está quebrando, subimos pelas escadas. Tropeço no último degrau, você me segura. A luz do corredor acende automaticamente. Andamos lentamente para não acordar os vizinhos. Carrego meu sapato nas mãos para não fazer barulho com o salto. Estamos tão colados que parecemos um só. Sinto cheiro do seu perfume misturado com cerveja. Eu demoro a achar as chaves na bolsa e a luz apaga. Você ri das minhas tentativas de acertar a chave na fechadura no escuro. Faz uma piada maliciosa, repousa a mão na minha cintura, dá um cheiro no meu pescoço e rimos juntos. Finalmente, abro a porta.

Cena 2

Na entrada do quarto, a cama de casal. Atrás dela a estante de madeira antiga cheinha de livros e CD's; na frente a televisão. Em oposição à ela, a janela que cobre a parede quase inteira. Nesta mesma parede, a mesa do computador. As cores dos objetos dão um colorido ao ambiente, quebrando a sobriedade das paredes amarelas claras. O lençol azul florido combina com o que sobrou do meu pijama. Na escuridão do quarto, só o que nos ilumina é a luzinha da caixa de som tocando nossa playlist do Pink Floyd. Vemos com mãos, braços, pernas e línguas. E na progressão do rock, encontramos um ritmo para o nosso amor. Você está por cima de mim. A esta altura já te enxergo no escuro e acompanho o movimento da sua boca. Uma onda invade o lábio inferior levando-o para dentro e para fora com suavidade. A respiração intensifica e a boca ajuda o nariz a colher o ar. Nossos olhos acendem e se encontram, penetrando o outro uma última vez antes de se fecharem. Os dedos dos pés formigam, o abdômen se contrai, a pele arrepia e o corpo se entrega a uma mistura de dor e prazer. Gozamos juntos. Você repousa sua cabeça entre meu ombro e meu pescoço esquerdo. Lágrimas escorrem dos meus olhos enquanto te abraço apertado. Sinto amor, tanto amor que me transborda: em gozo, suor e lágrimas. We're just two lost souls, swimming in a fish bowl year after year, running over the same old ground. What have we found? The same old fears. Wish you were here.

Cena 3

06:00 toca o despertador. 06:10 toca novamente. 06:20 mais uma vez. 06:30 som do chuveiro molhando a pele. 06:45 cheiro de café. 06:50 a torrada pula da torradeira. 07:00 som da escova passando entre os dentes. 07:10 cheiro de menta próximo ao meu nariz. 
-Tchau, amor, bom dia.
 Agarro seu pescoço e te puxo de volta.
- Amor, vai amassar minha camisa. 
Rosno. Você ri. Viro pro lado e ocupo a metade vazia da cama. Você se afasta. Dá cinco passos e para. Não são o suficiente para chegar até a porta. Abro metade dos olhos na sua direção. Você está virado pra mim me observando. 
-Você fica linda descabelada com cara de sono.
Jogo meu travesseiro na sua direção e ele passa longe.
07:25 som de chaves na fechadura, porta abrindo, porta fechando. 07:27 me enrolo na sua camisa e volto a dormir.

Cena 4

Estou sentada na beira da cama. Você anda de um lado para o outro do quarto. Meus olhos estão cheios de lágrimas. Os seus, cheios de sangue. Você para, me olha, faz que não com a cabeça e volta a andar. Passo a mão pelo meu rosto tentando limpar as lágrimas que não param de escorrer e respiro fundo. Você ameaça falar algumas palavras, mas se cala. Seu silêncio me mata por dentro. Te peço:
- Amor, olha pra mim.
Você desvia o olhar. Depois anda até mim, me olha no fundo dos olhos e, com lágrimas escorrendo vira-se e vai embora. Escuto o barulho das chaves, a porta batendo. Ando até a janela da sala e te vejo entrando no táxi. Quero gritar, não consigo. 

Cena 5

Corredor comprido e vazio. Seis apartamentos por andar. Ando até o 206. Coloco-me na frente da porta, minhas mãos caminham até a campainha e param. Penso em ir embora. Ouço o elevador subindo. Fecho os olhos e me lembro do seu sorriso. Vontade de sair correndo: não sei se para dentro ou para fora dessa porta. Ando até o elevador e volto. Ouço seus passos até o banheiro. Ouço seus passos de volta pro quarto. Respiro uma, duas, três vezes e toco a campainha. Meus dedos tremem, minha garganta dá um nó. Ouço seus passos. Seu olho cobre o olho-mágico. Meu coração dispara. Você abre a porta. Silêncio total. Nos olhamos profundamente nos olhos por alguns segundos eternos. Nossa respiração se encontra no mesmo ritmo e percebemos isso quando inspiramos o ar com força para o pulmão no exato momento. Nos abraçamos e ficamos ali. Entre o lado de fora e o de dentro, num laço apertado que não chega a ser nó, mas nós.


sábado, 23 de janeiro de 2016

Para a moça bonita

Queria te dizer que vai ficar tudo bem. Queria mesmo, de verdade. Dizer para você que o mundo vai girar, o tempo vai passar e as coisas vão se ajeitar. Dizer que eu já fui lá do outro lado e sei o que te espera. Queria acabar com seus medos ou, ao menos, enchê-los todinhos de coragem. Ser a força que te falta; a certeza que te falta. Apagar as dores que te sobram. Queria ser teus músculos do riso e trabalhar intensamente para não te fazer parar mais.

Ô, moça bonita, pra que carregar o mundo todo nos ombros? Que força é essa que buscas? Não percebes o quão sobre-humana tentas ser? Que peso é este que carregas consigo como se fosse parte do teu corpo que já padece? Aonde vais tão carregada e com passos tão apressadamente lentos?

Respira fundo. Lembra que cada respiração é uma oportunidade de renovar aquilo que te compõe. O que te inspira? O que queres inspirar? Puxa, suga e se alimenta deste ar. E pra fora deixe que vá tudo que não te cabes mais. Expira essa dor que preenche teus pulmões... E daí volta a inspirar. 

Ora, divide o peso com o chão... Ele aguenta, juro. É bem mais forte que eu e você juntas. Joga na terra que, no mínimo, vai florescer. E se liberta disso aí.

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