domingo, 26 de maio de 2013

Cegueira

Escrevo para dar uma aula para o seu olhar. Avisa para ele que está fazendo tudo errado. De onde veio a ideia de que se olha apenas para frente ou para trás? Como é que ainda não percebeu que todos os lugares que vai são errados. É culpa dele, somente dele, os arranhões que você ganhou no peito. Quantas vezes já não vi você cair lá do alto e tive que correr? Correr para te socorrer.

Tantas vezes você diz que eu sou a melhor e que sem mim você não seria o mesmo. Acho que seu peito entende, sua mente também, então, explica para o seu olhar... explica pra ele que procurar demais não implica em encontrar o encaixe perfeito. Explica que a função dele é enxergar, ver, perceber! E não ficar nessa busca infinita por algo que não se acha. 

Coloca ele em recuperação, de castigo, reprova. Se você quiser, abandona em uma esquina qualquer e nem precisa pensar duas vezes, eu empresto o meu e, quem sabe assim, você não vê o que ele tem evitado. Não gosto de ofensas, mas seu olhar é burro. Será que sou só eu que percebo que ele sempre volta pro mesmo lugar? Não importa que mude a forma, as cores, o som... ele continua estagnado no mesmo peito sem futuro e sem carinho.

Deixa que eu mostro para ele que existe um lugar melhor. Existe uma vista agradável que vai fazer com que ele pare de procurar. Fecha os olhos e respira. Quem sabe assim você não deixa seus outros sentidos te mostrarem o que está mais do que claro, mais do que óbvio. A verdade é que só você não percebe. Muda essas lentes que estão desfiguradas. Joga um colírio, lava os óculos...

Eu estou aqui onde sempre estive e só seus olhos não viram ainda. Só eles não repararam que sou sempre eu quem enxuga suas lágrimas e te abraça quando o mundo parece desabar. Só eles que não perceberam que eu mudo meu caminho, meus hábitos, minhas palavras, minhas cores, minhas formas, minhas forças para que eles me percebam de uma vez. Avisa para eles que está na hora de parar de procurar e encontrar. Deixa o mundo escurecer, os cílios se encontrarem, fica cego. Olha pro lado. Olha pra mim. 

domingo, 19 de maio de 2013

Ponto morto

Estava tudo bem. Eu não me importava - até achava bom - em tomar meu café sozinho todas as manhãs, fazer meu próprio nó na gravata e sair de casa sem ninguém para desejar bom dia. Trabalhar, malhar, comer, assistir filme, ler um bom livro e me esparramar na cama inteira só pra mim, estava gostoso. Há quem amaldiçoe a rotina que julga tão entediante, eu não. Eu estava curtindo essa nova maneira de ser dono de mim, não calcular danos e fazer o que dá na telha.

Eu estava jantando em casa e não era ovo frito. Aprendi a fazer as receitas mais inusitadas que nunca havia pensado em fazer. E dá para acreditar se eu disser que li todos aqueles livros que eu vivia postergando? Gostei de alguns. Pintei a parede do meu quarto de azul como eu sempre quis e a cor caiu perfeitamente: parecia que eu estava imerso em uma maré de calmaria.

Estava tudo tão meu: controlei todos os passos que dei. Comecei a fazer terapia porque me falaram que eu me sentiria melhor, e eu gostei. Eu comi o que quis, vesti o que quis, acordei e dormi quando eu quis, fui aonde quis. Acho que pela primeira vez eu não tive que me contrariar e estava bom assim.

Ai eu encontrei o seu olhar e ele me sorriu. Quando me dei por mim, estava olhando para frente, para os lados, para trás: para fora. Acordar não tinha mais o mesmo ritmo, dormir levava muito mais tempo, até o cardápio sofreu alterações. E eu perdi o controle. 

Eu passei a te querer e nem sabia o que fazer. E nada estava bem. O meu movimento passou a se confundir com a maneira como você mexe no seu cabelo, o timbre da minha voz ajustou-se aos tons claros que você veste todos os dias, os meus passos caminharam para onde você estava.

Foi quando o seu olhar me encontrou e eu sorri para ele. Pintamos a parede de amarelo, os livros acumularam-se na escrivaninha e fiquei só com meia cama. Não faço mais  tudo que quero e o tempo não é só meu.

Está tudo melhor.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Se você me quer, me queira

Se você me quer mesmo, então pára de bancar a boba e dizer que eu estou entendendo tudo errado. Esquece o que os outros vão pensar, dizer, ou como vão nos olhar. O que está de fora, pouco importa. Quantos beijos já quis te roubar e tive que esperar pelo momento certo? Qual é esse momento que você tanto fala? Devo esperar dias, meses, anos... ou nunca chegará?

Se você sente mesmo tudo isso aí que você diz para suas amigas, por que ainda restam dúvidas? O jeito que você olha no fundo dos meus olhos e toca minhas mãos com tato de seda... deixa espaço para algo além de certeza? Qual é o sinal que você tanto espera para saber se eu sou confiável ou não? O que tenho que fazer para você perceber que aqui só existe um coração que está inteiramente preenchido por você?

Se você se importa comigo nessa escala, se diz que quer me ver feliz a todo momento, que não entende o mau que as outras puderam me fazer, por que você não vem logo e faz o meu bem todos os dias? Como posso provar para você que eu não sou como ele? Se eu tivesse como dar uma espiada no futuro e tirar umas fotos, traria pra você a prova de que o nosso amor deu certo. Será que é tão difícil assim acreditar nas minhas palavras?

Eu deveria te trazer flores? Aprender a sua música preferida no violão? Escrever cartas de amor? Fazer declarações em público? Eu juro que tento aflorar esse meu lado romântico, mas quando estou diante dos seus olhos verdes eu esqueço tudo aquilo que havia planejado falar, eu perco o sentido das palavras e a única coisa que consigo fazer é te olhar. Dizem que os olhos são a janela d'alma. Você já tentou olhar para os meus e ver, como apesar de pretos, são transparentes?

Outro dia meus amigos me disseram que o que mulher gosta mesmo é de ser pisada. De onde tiraria coragem para colocar esses pés tamanho 43 por cima de tão adorável criatura? Esqueçamos essas bobagens de regra de jogo, de expectativa social e vivamos, meu bem. Abandona essas suas cismas sem sentido e chega aqui mais perto, me abraça com vontade - do jeito que você sabe fazer - e diz que nada mais importa.

terça-feira, 7 de maio de 2013

(In)Certeza

Todas as relações chegam ao fim. Nunca duvidaram disso. No entanto, essa premissa não permitiu que a dor diminuísse quando resolveram se afastar. Seria melhor assim. Melhor para todos. Como continuar em uma relação cheia de brigas? "Não está dando certo". E com essas frases feitas e clichês - presente em (quase) todos os fins de relacionamentos - terminaram aquilo que um dia chamaram amor.

Ele foi viajar. Tinha férias acumuladas e um destino sonhado: Las Vegas. Foi ao cassino, perdeu, ganhou, bebeu. Relacionou-se com algumas mulheres. Tirou fotos. Retornou para sua vida com a certeza de que as coisas estavam exatamente como deviam ser. A rotina consumia seus pensamentos e não sobrava tempo para pensar na ausência dela.

Ela ficou em casa mesmo. Colocou um tubinho preto e saiu para dançar. Conheceu muitos caras, transou com alguns, chegou a ter mais do que primeiros encontros com outros. Trocou a cama de lugar e comprou novos lençóis. Acordava todos os dias de manhã, lavava o rosto e repetia para o espelho "foi melhor assim".

Passaram-se dias, meses, anos. A lembrança foi ficando cada vez mais distante. As lágrimas cessaram e deram lugar a novos sorrisos. Conheceram novas pessoas, apaixonaram-se. Caminharam cada qual pelo seu caminho e não olharam para trás nenhuma vez. A certeza de ter feito a coisa certa cristalizou-se e tornou-se tão verdade quanto a ideia de Deus.

Ela casou-se com um namorado dos tempos de escola. Exatamente aquele que ele sempre sentiu ciúmes. A vida as vezes apronta essas peças. Encontrou o amor onde nunca imaginou que poderia estar. Nunca tiveram filhos. Viajavam pelo mundo e saiam em capas de revista. 

Ele teve um filho. O casamento não deu certo e quando o menino completou 5 anos, separaram-se. A mãe mudou-se para outra cidade levando a criança. Sempre que podia o filho vinha passar férias com o pai. Doía. Era distância de verdade, física, medida em quilômetros.  Ele sentia falta. 

Um dia, correndo para o seu compromisso, ela tropeçou na rua, quebrou o salto. Correu para o shopping mais perto para comprar um novo sapato. Ele não tinha conseguido parar para almoçar e resolveu ir ao shopping fazer um lanche antes de voltar para o trabalho. Precisava concluir suas tarefas para sair mais cedo e arrumar a casa para visita de seu garoto.

Depois de tanto tempo, encontraram-se. Por mais de um minuto permaneceram em silêncio apenas olhando no fundo dos olhos do outro. Enquanto olhavam-se, passava pela cabeça dela os momentos mais incríveis que haviam vivido. Lembrou-se das noites de frio do lado do cobertor, dos passeios na rua de mãos dadas, do gosto de café no beijo matinal. Ele recordava-se daquele olhar, nunca poderia esquecer. Não era porque os olhos eram azuis e bem desenhados, mas transmitiam clareza e sinceridade. 

De sua boca saíram palavras não pensadas e quase vomitadas "Por que mesmo que a gente terminou?". Ela respirou fundo e tentou iniciar a frase algumas vezes. Aquelas palavras pareciam impronunciáveis. Depois de um breve momento conseguiu responder "porque seria melhor assim". Ele mostrou foto do filho no celular e ela contou que havia casado com o cara da escola. Trocaram meia dúzias de vocábulos vazios de sentido. Despediram-se e voltaram para suas vidas.

Naquela noite, depois do banho, antes de dormir, lembraram do encontro que haviam tido, não no shopping, mas na vida. Buscavam em suas lembranças as brigas que tinham, as mágoas causadas, mas nada vinha. Com o tempo todos os pequenos problemas cotidianos pareciam jamais ter existido. O coração batia forte e um nó na garganta trazia um alerta de choro. Em suas cabeças as palavras ecoavam sem parar... Foi melhor assim.

sábado, 4 de maio de 2013

Diamante bruto

Eu admito: não sei lidar com a sua ausência. Eu disse que seria fácil e que você fosse embora rápido porque não queria te ver. O que eu não queria mesmo era voltar atrás e sabia que quando você me olhasse com aqueles olhos de quem foi abandonada e tentasse esconder as lágrimas que escorreriam de seus olhos, eu não conseguiria sustentar essa ideia de ficar sem você. Eu tenho que dizer que me senti como um monstro debaixo da cama de uma criança com medo do escuro quando você me abraçou e pediu para que eu repensasse. Dizer que estava certo e te ver virar as costas com a respiração ofegante de tanta dor, doeu mais do que o dia que fui atropelado.

Neguei - não só à você, mas a qualquer um que me perguntava - a tristeza que me fazia chorar todas as noites. Como é que eu explicaria, em palavras, que mesmo te amando preferia deixar você ir embora? Eu sabia que seria criticado e chamado de idiota (e, vez ou outra, era assim mesmo que me sentia). Tinha certeza que você pediria que desistisse da ideia de ir embora e diria que o amor seria suficiente para nos manter juntos. Seria?

Viver em um campo de batalhas com bombas atômicas que explodiam corações não estava fácil. Cada vez que uma palavra saia de minha boca e te fazia chorar, torcia para que um buraco se abrisse abaixo dos meus pés e eu descesse direto para as profundezas do inferno. Como poderia fazer criatura tão meiga e adorável  sofrer por um ogro que não sabe nada de amor? Eu juro que tentei mudar, melhorar meus modos, mudar meus hábitos, virar um príncipe. Só que nem mil beijos de amor verdadeiro me fizeram deixar de ser um sapo feio e gelado.

Perdi a conta de quantas vezes eu quis te procurar e pedir para voltar pra mim. Quer saber o que me fazia desistir todas as vezes? A certeza de que você voltaria. Eu não podia. Mesmo querendo muito, não poderia prender você à uma história que eu tinha certeza que não passaria de alguns bons momentos estragados pelo meu mau jeito e pelas minhas palavras erradas. Eu sei que, mais cedo ou mais tarde, eu estaria te deixando novamente em casa sozinha enquanto saia para beber e esquecer quem sou. Não, essa tristeza que carrego em meu peito não tem nada a ver com você e me mata saber que você sempre se culpou por isso. 

Não existe nada que você poderia ter feito diferente. Eu não teria ficado se você tivesse entrado para academia; também não teria me prendido você parar de sair com as suas amigas; eu teria mantido minha decisão de te deixar mesmo que você aprendesse a cozinhar minha comida favorita; e se a gente transasse todos os dias, eu também teria partido. Não foram as suas reclamações, nem suas crises bobas de ciúme, muito menos as decisões que você tomou sozinha para o seu futuro.

É que nem todos os seres nascem para amar ou para o amor. Você tem esse seu potencial para conquistar qualquer homem e fazê-lo feliz. Eu sou assim. Uma criatura errante que ainda não aprendeu a amar. Será que alguém algum dia será capaz de me ensinar? Se nem você conseguiu... Meu amor é bruto e continuo procurando uma forma de lapidá-lo. Existe?

Sei que levou tempo até essa dor passar - talvez nem tenha passado completamente -, mas você voltou a sorrir. Eu te vi passando com o seu novo amor. Vi o jeito como ele te olhava e lembrei de como era capaz de olhar para você por horas sem ficar entediado. Reparei o seu sorriso de canto de boca e o brilho no seu olhar. Dava pra sentir de longe o cheiro de paixão que emanava de vocês. E pela primeira vez desde que te deixei, eu sorri. Agora sei que fiz a coisa certa: você está melhor sem mim.

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