quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Chuva de verão

Hoje eu chorei. Por você, por mim, pelo que a gente fez da gente. Pelas esperanças que morreram, pelas palavras não ditas, pelos líquidos coagulados.

Chorei na tentativa de dar passagem às dores guardadas, aos afetos impedidos, aos blocos quase fechados. Senti os braços vazios, a boca seca, o coração gritando.

Eu hoje chorei por tudo que não fui. Por tudo que não foi ainda. Pelo que tá indo.

Chovi mais do que lá fora. Chuva de verão que lava enquanto escorre, que refresca ao pôr-do-sol.

E brinquei nas gotas como quando eu era criança e me molhava no quintal. "Se começar a relampejar, volta pra casa".

Hoje eu não quero voltar pra casa. Hoje eu vou construir uma casa no quintal, na chuva, na nossa liberdade, na esperança.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Revelações de uma segunda-feira de chuva

Encontrar. Encontrar-se com. Encontro de verdade dói. Às vezes é dor boa. E de tão boa, a gente pede bis. Bis só em caixinha.

Conheci uma vez um sujeito que queria ganhar tempo. E de tanto querer, inventou o relógio. Relógio é tempo enjaulado. Só gosto do tempo em seu hábitat natural.

Entre ser e ter existe uma grande distância. Ter é a tentativa de relogizar o ser. Ter é tentativa - falha - de se consumir o sendo.

Conheci um outro cara que queria tanto reviver um momento que achou que pudesse enfrentar a morte. Ele morreu tentando. Ele viveu morrendo.

Por que que a gente quer ter tudo que gosta? Já me disseram que o capitalismo nos faz transformar qualquer coisa em produto possível de compra.

Ainda não achei vida vendendo no mercado.

Houve um tempo que queria consumir momentos. Aprendi que a única forma de consumir experiências é comendo.

Com desejo você bota na boca e mastiga. Deixa a saliva se misturar, solvendo, até começar a digestão. Engole. E aquilo que é bom vai virando alimento, nutriente, corpo. O que dura do momento vira pedaço de pele, cabelo, órgão...

O resto vira merda.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Festa de despedida














G:- Oi..?
B:- Oi... (sorriso trêmulo) Você veio.
G:- É, eu vim.
B:- Quer sentar? Pega uma cadeira!
G:- Não, não... passei só pra te dar um beijo mesmo.

G:- E aí? Como é que cê tá?
B:- (gaguejando) Eu tô?... eu tô bem... eu tô (respiração) animada com tudo isso aí que vem agora.
G:- É, novo país, né? Que dia você vai?
B:- Semana que vem. Chego lá na quarta.
G:- É trabalho?
B:- Isso.
G:- Tá feliz com isso?
B:- Com a viagem?
G:- É, com trabalho novo!
B:- Tô sim.

(silêncio e troca de olhares)

B:- Cê... cê é feliz?
G:- No meu trabalho?
B:- Não... na vida.
G:- (suspiro)
B:- Eu quero que você seja feliz.
G:- Obrigado. Eu tô bem.
B:- Você... tá bem ou você também?
G:- Também o quê?
B:- Também quer ser feliz.
G:- (sorriso sem graça) acho que todo nós queremos, né?
B:- Não sei, é?

G:-Você nunca desiste?
B:- De que?
G:- Sei lá... você já desistiu alguma vez?
B:- Já! (surpresa)
G:- (sorriso com ar saindo do nariz de uma vez) Duvido...
B:- (levanta as sobrancelhas, balança a cabeça entre o não e o sim).

(risos)

G:- (em tom cortante) A Júlia tá grávida.
B:- Uau! Há quanto tempo?
G: - Sei lá, acho que dois meses.
B: - E vocês estão bem?
G: - Se a gente também?
(risos)
B: - Pelo visto não sou só eu que tô mudando, né?
G: - É, parece que não.

B: - Não quer mesmo uma cadeira?
(silêncio e longa troca de olhares)
G: - Não, eu vou embora mesmo.
B: - É...
G: - Boa viagem!
B: - Obrigada!

(um abraço rápido)

B: - Espera, Gabriel.
G: - Oi?
B: - (olhando fixamente nos olhos) De você.
G: - Não entendi.
B: - Eu desisti de você...

(...)

G: - Eu sei... eu também.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

O último texto que escrevo pra você

Cê disse que ia embora, que o que a gente tinha já não era amor há muito tempo. Engoliu as lágrimas e acabou com todo e qualquer fluído entre nós. Enrijeceu o corpo até se tornar pedra e rolou pra bem longe de mim. Foi espinho, ferroada, veneno, acidez. E da sua forma cortante abriu um buraco e me corroeu por dentro até não sobrar mais vestígios daquilo que eu reconhecia como "eu". 

Cê foi embora e não olhou pra trás nem pra ver meu último aceno. Passou rápido fingindo que não se importava. E me fez acreditar que tudo que a gente tinha vivido não passou de ilusão, de mentira, de tempo perdido. 

Você retirou sua presença e o que sobrou no lugar foi tudo menos ausência. Foi excesso de dor, de saudade, de perguntas, de desespero. E busquei na profundeza da minha pele qualquer coisa que me fizesse ter esperanças de sorrir novamente. Porque qualquer sorriso havia se tornado triste e só aparecia pra disfarçar pro mundo a dor que eu sentia.

Passou o tempo e você deixou de ser pensamento, ou sonho. E pude preencher minhas lembranças com outros momentos, inventar outros eus que coubessem, que servissem. Você foi deixando de ser mágoa e foi se tornando texto: cê deu origem aos meus mais belos escritos. Transformei dor em palavra e dei passagem ao afeto: te construí, destruí, reconstruí.

Parei na página em branco. E nem um fiozinho mais do que você me fez sentir pôde preencher esse vazio. E de repente essa página pôde ser qualquer coisa que não fosse você. E eu pude ser qualquer coisa que não fosse nós. E tudo pôde. 

Agora você passa por mim e finge que não me conhece. E eu? Eu escrevo esse último texto para você. Pra dizer que eu também to indo embora e que o amor... já não é a gente há muito tempo. 

terça-feira, 10 de março de 2015

Como eu te vejo

Lembra daquele dia no bar? Eu me lembro como se fosse ontem. Tomava minha cerveja e fumava meu cigarro, pensava nas páginas e mais páginas que teria que ler quando voltasse pra casa. Os olhos só se dirigiam pra fora pra olhar o garçom e "amigo, vê mais uma gelada". Sei lá como, ou porque, de relance, vi seus cabelos caídos na testa. Não tinha sol, mas eu podia jurar que a luz refletia nos teus fios e iluminava o ambiente inteiro. Esqueci os capítulos, o cigarro, os problemas, e foquei meu olhar no que de mais bonito havia naquele bar sujo em plena quarta-feira. E eu não pude deixar de notar as gotas que escorriam pelo seu rosto.

Não sei se o que mais me marcou nesse dia foi o seu sorriso meio torto dizendo que eu podia pegar a cadeira ou se foi minha súbita determinação de andar até você. Sei que fui. E entre cervejas geladas e sorrisos carregados de mágoas, a gente trocou confidências e telefones. 

Você disse que era para eu ir embora, que você era problema, que um cara legal assim não deveria olhar pra você. "Eu tô ferrada, vê se me esquece". E não sei se foi descrença da minha parte, mas o jeito que você me mostrava seus piores lados me fazia acreditar que você estava exagerando e que era só uma bad vibe que iria passar no dia seguinte. E eu fiquei pra esperar o dia seguinte. E o próximo. E mais um. 

Eu pude acompanhar de perto tudo aquilo que você chamou de ferrada e, garota, eu devo concordar, você tá ferrada mesmo. Tá ferrada porque o mundo é pequeno demais pra você. Estreito demais pro seu talento, pra sua arte, pra sua poesia. E se você se sente sufocada é só porque a sua expansão tá esbarrando nas barreiras do mundo. Mas, deixa eu te contar: toda grade é vazada. Você pode voar, e se não der pra voar, escorre. Se remolda e sai daí. Respira e vai pro mundo. Só o que é rígido não consegue passar.

Hoje faz um ano. Um ano que eu te disse que se a cadeira estava vaga, eu iria sentar. E fiquei pensando em todas as coisas que queria dar pra você. E esquece poesia, chocolate, carta de amor. Se eu pudesse escolher uma coisa, só uma coisa, eu te daria a minha visão. Porque só o que eu queria, garota, é que você se visse como eu te vejo.

segunda-feira, 2 de março de 2015

Entretanto

O plano era ir até a sua casa e falar meia dúzia de palavras sem sentido pra ver se elas traziam algum sentido pra nossa relação. A gente anda meio sem saber pra onde vai, tropeçando nas nossas próprias pernas, caindo em lugares que não queremos estar. Era pra tentar dar alguma forma pra isso que a gente tá tentando viver conforme vai vivendo; que não fosse forma fechada, mas que você soubesse - ou pelo menos diminuíssem as dúvidas - onde eu quero estar.

É que eu nunca entendi a diferença que algumas palavras colocadas em sentenças podiam fazer para nós. E você acha que eu não demonstro, que eu não digo, que eu não quero. E sei que isso mexe na tua insegurança e eu juro que to tentando mudar. Eu ensaiei mesmo as palavras no espelho enquanto passava lápis no meu olho e pensava em você abrindo a porta. E talvez eu tenha ressaltado mais os olhos do que preparado o texto, mas é que eu realmente acredito que meus olhos são melhores oradores do que eu. Ainda assim, eu queria que você soubesse. Eu queria que você ficasse.

A intenção era essa quando tomei minhas doses de tequila e minhas respirações profundas. Eu sei que você odeia quando eu bebo e o jeito que às vezes passo da conta. É que se você soubesse o nervoso que eu sinto quando você está por perto e respira no meu pescoço dirigindo algumas palavras para o meu ouvido, talvez pedisse mais uma dose.

E eu tento acalmar o medo, apaziguar a ansiedade e dizer pra mim mesma que você não é como os outros; e que não vai embora quando eu resolver me abrir. É que eu to cansada de usar "sempre" pra falar de amor e to apostando minhas fichas, mesmo que com prudência, em você ser o "mas, porém, contudo, todavia, no entanto, entretanto".

E no caminho não parava nenhum táxi; eu resolvi ir andando. E a chuva caiu; eu fiquei encharcada. Pensei mil vezes que aquilo tudo tava errado e era um sinal para eu voltar pra casa; que seus textos, músicas e suspiros, por melhores que fossem, deveriam ficar longe de mim. O ideal era você ser só mais um que passa pela vida e deixa um pouquinho de prazer no corpo, mais um que não ligou no dia seguinte, mais um que eu não atendi. Mas... mas você foi mais e eu encarei a chuva, o escuro e o medo.

O plano era ir até a sua casa e falar meia dúzia de palavras sem sentido pra ver se elas traziam algum sentido pra nossa relação. E as palavras escorreram com meu suor, com a água da chuva e se fixaram na escuridão do corredor enquanto eu esperava você pegar as chaves. Eu não sei mais qual era o plano, mas eu entrei.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Você me deixou sem palavras

A gente tava indo bem. Você pegou minha mão com delicadeza, me embalou num sorriso bonito e me chamou pra sair. Elogiou meus óculos, meu sorriso, meus textos. Abriu a porta do carro dizendo que isso não era cavalheirismo, mas gentileza. E eu merecia todo o seu lado doce.

A gente dançou junto a noite inteira e eu fui com você no hospital ver seu pai. Não importavam mais os planos para a noite, aquilo era mais urgente. Você foi virando urgência que rouba lugar de planejamento. E não foi nada disso que eu planejei.

Eu ainda tava acendendo a luz pra enxergar no olho mágico, e você já foi entrando sem me deixar ponderar se valeria a pena abrir a porta. E eu acho que eu teria feito que não tem ninguém em casa e te deixaria do lado de fora até cansar de esperar.

É que você deixou a cerimônia de lado e chegou ocupando todo o espaço que encontrou pela frente. E já não importava mais se era um gato ou uma almofada, você quis sentar e disse que daqui você não ia embora.

Eu tentei explicar que isso não ia dar certo. Que ele disse que eu não entendia nada de amor e eu acreditei. E eu tava com o discurso pronto, na ponta da língua. Ensaiado tantas vezes que eu não iria gaguejar.

O que você queria me dizer? E eu perdi as palavras.


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