sexta-feira, 11 de março de 2016

5 cenas de nós

Cena 1 

Terceiro andar de um pequeno prédio de quatro andares. O elevador está quebrando, subimos pelas escadas. Tropeço no último degrau, você me segura. A luz do corredor acende automaticamente. Andamos lentamente para não acordar os vizinhos. Carrego meu sapato nas mãos para não fazer barulho com o salto. Estamos tão colados que parecemos um só. Sinto cheiro do seu perfume misturado com cerveja. Eu demoro a achar as chaves na bolsa e a luz apaga. Você ri das minhas tentativas de acertar a chave na fechadura no escuro. Faz uma piada maliciosa, repousa a mão na minha cintura, dá um cheiro no meu pescoço e rimos juntos. Finalmente, abro a porta.

Cena 2

Na entrada do quarto, a cama de casal. Atrás dela a estante de madeira antiga cheinha de livros e CD's; na frente a televisão. Em oposição à ela, a janela que cobre a parede quase inteira. Nesta mesma parede, a mesa do computador. As cores dos objetos dão um colorido ao ambiente, quebrando a sobriedade das paredes amarelas claras. O lençol azul florido combina com o que sobrou do meu pijama. Na escuridão do quarto, só o que nos ilumina é a luzinha da caixa de som tocando nossa playlist do Pink Floyd. Vemos com mãos, braços, pernas e línguas. E na progressão do rock, encontramos um ritmo para o nosso amor. Você está por cima de mim. A esta altura já te enxergo no escuro e acompanho o movimento da sua boca. Uma onda invade o lábio inferior levando-o para dentro e para fora com suavidade. A respiração intensifica e a boca ajuda o nariz a colher o ar. Nossos olhos acendem e se encontram, penetrando o outro uma última vez antes de se fecharem. Os dedos dos pés formigam, o abdômen se contrai, a pele arrepia e o corpo se entrega a uma mistura de dor e prazer. Gozamos juntos. Você repousa sua cabeça entre meu ombro e meu pescoço esquerdo. Lágrimas escorrem dos meus olhos enquanto te abraço apertado. Sinto amor, tanto amor que me transborda: em gozo, suor e lágrimas. We're just two lost souls, swimming in a fish bowl year after year, running over the same old ground. What have we found? The same old fears. Wish you were here.

Cena 3

06:00 toca o despertador. 06:10 toca novamente. 06:20 mais uma vez. 06:30 som do chuveiro molhando a pele. 06:45 cheiro de café. 06:50 a torrada pula da torradeira. 07:00 som da escova passando entre os dentes. 07:10 cheiro de menta próximo ao meu nariz. 
-Tchau, amor, bom dia.
 Agarro seu pescoço e te puxo de volta.
- Amor, vai amassar minha camisa. 
Rosno. Você ri. Viro pro lado e ocupo a metade vazia da cama. Você se afasta. Dá cinco passos e para. Não são o suficiente para chegar até a porta. Abro metade dos olhos na sua direção. Você está virado pra mim me observando. 
-Você fica linda descabelada com cara de sono.
Jogo meu travesseiro na sua direção e ele passa longe.
07:25 som de chaves na fechadura, porta abrindo, porta fechando. 07:27 me enrolo na sua camisa e volto a dormir.

Cena 4

Estou sentada na beira da cama. Você anda de um lado para o outro do quarto. Meus olhos estão cheios de lágrimas. Os seus, cheios de sangue. Você para, me olha, faz que não com a cabeça e volta a andar. Passo a mão pelo meu rosto tentando limpar as lágrimas que não param de escorrer e respiro fundo. Você ameaça falar algumas palavras, mas se cala. Seu silêncio me mata por dentro. Te peço:
- Amor, olha pra mim.
Você desvia o olhar. Depois anda até mim, me olha no fundo dos olhos e, com lágrimas escorrendo vira-se e vai embora. Escuto o barulho das chaves, a porta batendo. Ando até a janela da sala e te vejo entrando no táxi. Quero gritar, não consigo. 

Cena 5

Corredor comprido e vazio. Seis apartamentos por andar. Ando até o 206. Coloco-me na frente da porta, minhas mãos caminham até a campainha e param. Penso em ir embora. Ouço o elevador subindo. Fecho os olhos e me lembro do seu sorriso. Vontade de sair correndo: não sei se para dentro ou para fora dessa porta. Ando até o elevador e volto. Ouço seus passos até o banheiro. Ouço seus passos de volta pro quarto. Respiro uma, duas, três vezes e toco a campainha. Meus dedos tremem, minha garganta dá um nó. Ouço seus passos. Seu olho cobre o olho-mágico. Meu coração dispara. Você abre a porta. Silêncio total. Nos olhamos profundamente nos olhos por alguns segundos eternos. Nossa respiração se encontra no mesmo ritmo e percebemos isso quando inspiramos o ar com força para o pulmão no exato momento. Nos abraçamos e ficamos ali. Entre o lado de fora e o de dentro, num laço apertado que não chega a ser nó, mas nós.


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