segunda-feira, 24 de junho de 2013

Em uma esquina qualquer

Andava distraída. Não como costumam entender por aí o andar distraído de quem não presta atenção em sinais, placas, postes e gente. Pelo contrário, todos os obstáculos eram devidamente encarados e percebidos; todos os olhares incorporados. Não é dessa distração que falo. Eu estava mesmo era andando distraída de mim. De repente tudo que estava fora passou a ser interessante. Nunca havia reparado quantas cores o céu pode ter, ou quantas roupas iguais existem por aí. Descobri detalhes dos lugares pelos quais sempre passei e nunca enxerguei. Tudo me parecia mais interessante do que meus pensamentos, sentimentos, sensações... qualquer coisa que me afastasse daquilo que parecia gritar dentro de mim.

Em um domingo, em uma esquina qualquer, com o dia cor de laranja e aroma de primavera misturado com gás carbônico, eu vi de longe tudo aquilo que quis evitar. E, na verdade, pouco importa a data, a cor, o cheiro, ou o gosto que tinha aquele dia; me lembrei apenas do cheiro que tinha o seu suor misturado com o meu, o gosto da sua pele macia, a cor inconfundível dos seus olhos me olhando como quem nunca está satisfeito e precisa continuar ali. De repente meus pensamentos, há tanto calados, gritaram tão alto que me espantei em ser a única a ouvir. O coração sambava mais que passista na apoteose ao som dos bumbos e das cuícas. 

Aprendi nas aulas de biologia aquela tal história de "luta e fuga" e parecia que meu corpo se preparava para correr dali em velocidade de maratonista com anos de treinamento. A respiração ficou ofegante e podia sentir o calor que vinha de dentro em um dia de temperatura amena no Rio de Janeiro. Senti a dor acumulada no peso que tinha uma pequena lágrima que se apossou do meu olho esquerdo e rolou rosto abaixo até tocar meus lábios com gostinho de sal. Lembrei-me de como você tocava meus lábios com suavidade e carinho de uma forma tão única que nunca mais senti igual.

As palavras não davam conta do momento e, das diversas formas possíveis de se pensar, os meus pensamentos sempre me vêm em palavras. Tem gente que vê imagens, escuta sons... os meus são palavras claras, corridas, atropeladas e, muitas vezes, sem pontuação. Sempre tudo explicado, por vezes até demais. E naquele instante eu não ouvia fonemas e não via letras. E, por mais que buscasse uma compreensão, meu pensamento estava apossado de um mutismo sem fim.

Não me lembro bem o que fiz naquele momento, com um certo esforço consigo refazer alguns de meus passos. Acho que dei meia volta e ameacei trocar de calçada, mas quando percebi estava bem diante de você e não sabia o que dizer/fazer/pensar/sentir ou ser. Não sabia mais o que me fazia eu e não você e nem eu e você. Não compreendia os passos que me levaram até ali - e não digo ao seu encontro, mas ao nosso desencontro que se deu há tanto tempo atrás. E acho que parte da minha confusão mental transferiu-se para você, que me olhou com olhar perdido e completamente vazio de sentido.

Reparei que o laranja do céu estava escurecendo e ficando cada vez mais cinza - talvez fosse princípio de chuva, ou só a noite chegando - e as pessoas continuavam a passar no mesmo ritmo. Parecia um descompasso gigante do meu ritmo com o dos outros, do seu, do céu. E foi dentro do seu abraço que fui recuperando algum sentido que me faltava. Quando nossas bocas ameaçaram se encontrar de novo que eu pude entender o que há tempos me fugia da consciência.

Meus lábios tocaram suas bochechas e recuperei as palavras. Pude te dizer um adeus/até logo que não soou muito bem para você e acho que para ninguém além de mim. E alguns quarteirões depois eu tropecei. Ralei o joelho e rasguei a roupa. Sangrei. Estava desperta, vigilante, atenta. As cores se confundiram e eu voltei a me perder por aí. Pude recuperar aquilo que me faltava: meu jeito desajeitado.


domingo, 9 de junho de 2013

Eu e o mundo

Eu perdi as contas das vezes que disse que estava bem, feliz e vivendo exatamente do jeito que queria viver. Aquele papo todo de pessoa pseudo bem-resolvida que finge que o mundo não influencia na maneira como se veste, pensa, sente. É que o mundo é tão externo e particular. Não o conheço o suficiente para saber como é que meu pé vai marcar o chão e, menos ainda, como é que ele vai me marcar. Quer solução melhor do que dizer - e acreditar - que está tudo bem, tudo no lugar que deveria estar? Contar mentira do pior tipo: daquelas que a gente acredita e repassa por ai. 

É que quanto mais "não" o mundo disse pra mim mais "não" eu quis dizer pra ele. E eu acreditei que poderia competir com tudo aquilo que me é externo, aquilo que não controlo. Achei que poderia me diferenciar de tudo aquilo que está de fora. E como éramos duas entidades distintas eu pediria a separação e cada um seguiria sua vida independente, traçaria o seu próprio caminho e não olharíamos para trás.

Foi no meio dessa ilusão tão concreta que eu encontrei você. E de repente eu não queria mais ser distante de tudo, se tudo incluía você. Eu liguei pro mundo e pedi para ele me perdoar, para a gente fazer as pazes. É que quando eu olhei nos seus olhos percebi que o mundo me atravessava, que eu fazia parte dele e ele de mim. Só eu sei o esforço que foi para admitir que talvez eu não fosse assim, tão bem resolvida, e que eu queria que algumas coisas fossem diferentes e, sozinha, eu não estava dando conta de transformá-las.

Agora eu estou aqui, diante de você, dizendo para que você deixe que o seu mundo se entrelace com o meu  e te convidando para fazer parte de mim. Eu sei que nossos caminhos aparentam ser linhas paralelas correndo para lados opostos, e que eu não sou exatamente aquilo que você pensou encontrar em uma mulher e que, aliás, nesse momento você não pretende nem estar acompanhado para dormir ou ir jantar. 

Eu sei que não li nem metade dos livros que você leu, que meus hábitos noturnos divergem quase que completamente dos seus, não consigo te acompanhar na cerveja e odeio aqueles lugares que você costuma ir. É que quando eu liguei pro mundo, ele me contou um segredo: disse que não podia deixar você escapar e que, na realidade, duas paralelas podem se cruzar em uma esquina qualquer. Nós não fomos feitos um para o outro e é exatamente isso que me encanta em você. 

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