segunda-feira, 29 de julho de 2013

Retrato

Acordaram, então, com o sol penetrando seus olhos a fundo. Abraçaram-se forte sem dizer nada. Era hora, eles sabiam. Os pássaros cantavam como fazem todos os dias quando a lua sai de cena dando lugar ao astro-rei. Por um breve momento ficaram parados no mesmo lugar ouvindo apenas o som da respiração. O ar entrava de uma vez no pulmão e saia em pausas: anúncio de dor.

Com alguma dificuldade levantaram, recolheram as roupas jogadas e fecharam as malas. Entre uma dobrada de roupa e um esbarrão pelo quarto, trocavam olhares que diziam mais do que qualquer som que pudessem emitir. Fecharam as portas e foram embora. Não trocaram uma palavra sequer durante todo o caminho. "Adeus" doeria demais, "até logo" seria ilusão e "vamos falar sobre isso" seria uma tentativa falha de tornar razão aquilo que nunca poderia ser categorizado como tal. Era sentimento vivo e pulsante. Tão fluído que escorria pelas mãos de quem tentasse torná-lo palpável.

O que seria a vida senão uma junção de momentos? Alguns mais duradouros - cronologicamente - e outros menos. Por que é que julgamos os breves momentos menos importantes? Por que é que, tantas vezes, admitimos a ausência de repetição como prova de experiência falha? Não era assim que pensavam. Ao contrário, entendiam que não haveria maior tempo-espaço para o outro em suas vidas. E o clichê que ressalta a intensidade e não o tempo parecia encaixar-se perfeitamente. E quanto mais aproximava-se a hora da despedida, mais o coração apertava e a respiração acelerava. Era dor de partida. Dor de sentir o presente virando lembrança. Não era vontade de fazer diferente, mas prova da importância que aquele momento tivera. 

O silêncio total foi quebrado no momento da despedida. Entre abraços carinhosos, beijos sinceros e lágrimas discretas o som saiu da boca cuidadosamente "obrigado". Era a única palavra que cabia. Gratidão por terem deixado acontecer, por terem apreciado, por terem vivido. Gratidão por não ter havido tentativa de tornar aquilo algo que não era. 

Seguiram cada um o seu destino e, devo dizer, sem arrependimento. Encontraram amores que duraram no tempo-espaço. Construíram famílias. Apaixonaram-se por uma profissão. Passaram por momentos breves e não tão breves assim. E a lembrança do outro sempre vinha acompanhada de uma emoção sem fim e da certeza de que aquele fora um dos mais bonitos momentos de suas vidas. 

3 comentários:

Amup disse...

Adoro ler seus textos. Me trazem boas lembranças! ")

Saudade imensa!

Camilla disse...

Momentos constroem vidas, rs.
Curti o texto!

Marina disse...

"Era sentimento vivo e pulsante. Tão fluído que escorria pelas mãos de quem tentasse torná-lo palpável." Que belo, lele.
Muito bom esse, alterou o ritmo da minha respiração. As lembranças tem mesmo esse forte poder, o alento da vida ocupada. Mas vale mais a lembrança dos momentos findados do que a memória da aventura construída?

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