quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Quem vai pagar pelo morto?


Sempre joguei cartas. Qualquer um que jogue também sabe como é horrível ter um jogo que você não sabe nem por onde começar. E é assim que eu estava me sentindo diante da vida. Porém, em um jogo, você pode começar outra partida e fingir que aquela jamais existiu, na vida não. O único objetivo em um jogo de cartas é vencer (a diversão é só um bônus e nós sabemos que isso é a verdade), é ser desafiado, passar por cima de tudo e sair vitorioso. E, sem dúvidas, meu objetivo era e sempre foi ganhar. Um amor, um dinheiro, um jogo, enfim, a satisfação de ter realizado meu plano.

Eu estava com todas as cartas na mão, pronta para bater e pegar o morto. Eu tinha duas seqüências de exatamente sete cartas dos naipes Ouros e Copas e um coringa de Espadas, que coincidentemente era o que a dupla adversária precisava. Eu só precisava escolher uma das reais e sujá-la. Eu estava com uma sorte que não se vê em qualquer lugar e que como diria o populário “não bate duas vezes na mesma porta”. No entanto, escolher entre um tesouro e um amor e lá fincar uma espada, não me parecia de jeito nenhum uma boa opção.

Como escolher entre duas coisas que parecem tão interligadas e tão certas? O tesouro só estava sendo chamado assim, pois por meio de uma afeição tornou-se algo tão valioso e raro que gostaria de ter para sempre perto de mim, podendo cultivá-lo e estimá-lo todos os dias. E aquele amor tinha a intensidade e profundidade de um amor de Camões “é fogo que arde sem se ver, é a ferida que dói e não se sente”. E por dentro aquilo queimava, ardia, doía, mas creio no instante em que nos tornamos amantes, passamos a ser masoquistas e ansiamos viver essa dor com o desejo que a cura nunca nos separe.

Eu poderia roubar colocando aquele dois de Espadas na manga e assim não sujaria nenhuma das canastras, entretanto, passar por um obstáculo é melhor e mais adequado do que simplesmente derrubá-lo, além do que, prezo minha honestidade e seriedade. Mantendo a integridade, poderia abandonar a mesa gritando, chorando, alegando não estar me sentindo bem, ou qualquer desculpa esfarrapada. Todavia, não é, nunca foi, e arrisco-me a dizer que nunca será do meu feitio desistir das coisas, jogar tudo para cima. Eu precisava tomar uma decisão.

As coisas complicavam-se cada vez mais quando eu procurava separar os dois casos em prós e contras e percebia que ambos estavam recheados pelas duas qualidades. Parecia-me muito injusto ter que optar por qualquer um dos vermelhos. O nível de adrenalina no sangue subia cada vez mais, enquanto era indagada para tomar logo a decisão que fosse e realizar minha jogada, afinal o jogo precisava continuar e eu o estava empacando. 

E foi então que eu percebi que era exatamente daquilo que eu precisava, pelo menos por alguns instantes, permanecer ali parada, estagnada. Desliguei os meus ouvidos, fechei as cortinas-pálpebras dos olhos, parei de falar. Eu reconhecia que precisava tomar uma decisão e reconhecia que a cartada decisiva estava em minhas mãos, contudo, tinha uma perigosa certeza que enquanto o mundo girava e eu permanecia inerte, nenhum balão voaria e nenhum coração pararia de bater.

9 comentários:

Paula disse...

Quando a decisão é difícil, às vezes a boa é mesmo chutar o balde e deixar que o acaso e o destino decidam por nós :)

Joyce disse...

As vezes dá até vontade de chorar lendo seus textos mas ai escolho sorrir, fico feliz por você ser tão talentosa com as palavras, desde pequena ! Até na hora de convencer os outros a fazerem merda hauuahuauahuauahuauaha Te amo

People MR disse...

Helena....

Nossa, fiquei muito emocionada lendo Quem vai pegar o morto. Pra mim vc. é ainda aquela menininha levada da breca, que aprontava todas lá em Passos durante o dia e de noite vinha como que um bichinho se aninhar em meu colo e...claro, recordar as diabruras do dia!!!!
Vc. escreve bem pra caramba. Adorei!

Parabéns. Depois vou ler os outros.

Daniel disse...

Muito bom! Continue com esses contos, Helena, que daqui a pouco a gente vai no lançamento do seu livro!

Camilla disse...

É só olhar pra mim que a gente descobre quem você escolheu, né? Hahhahahaha. Você sabe que eu curti o texto, gata.

Milena disse...

Helena, querida,
nem sei o que dizer...Adorei, amei ! Você pega as letras pra formar palavras, as palavras pra formar frases e as frases pra formar esses textos lindos e únicos que eu li aqui no seu blog...Parabéns, muita saudade e um monte de beijos da Alemanha [Da minha mãe também, ela adorou o texto sobre a saudade ;) ]

Marina disse...

Que imagem com os nipes!

Marina disse...

masoquistas renegados, indeed.

Marina disse...

Todos nós nos deparamos um dia com um dois de espadas. E mesmo se fosse paus não melhoraria em nada. A aflição é arrebatadora em todo caso.

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